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A mostrar mensagens de fevereiro, 2021

sempre o silêncio

 sempre o silêncio o limite do som a sua essência a lembrança do chão sua presença sob pés nus e transparentes numa nascente de rio seu de rio norte de rio templo largado à sua sorte   sempre o silêncio o limite do verbo na sua ausência a memória da voz duma inocência deixada nas pedras mortas de si mas plenas das águas

como mão

estremece a luz no olhar furtivo dos dias e sempre o sempre é o nunca que o olhar do rio sempre apouca em água na mão  de uma fonte que de ponte tem o fim e escorre sobre o monte como mão que morre em mim

vão caminho

a noite nasce nos meus muitos braços  e eleva-se ao alto frio de mim  como se em si fosse ela própria o fim do vão caminho dos meus sete passos  e é nela que surge o teu louvor  o luminoso incerto o limiar  das palavras claras plenas do olhar que não tens  dá-me, terna noite, o abraço que não peço porque é nele que esqueço  que a luz perdi e que me perco   e sob abertas mãos  de mim me compadeço

um carvalho

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Um carvalho a tentar ser do sol que prepara a noite. Uma metáfora que não é mais do que uma tentativa de ultrapassar a limitação das palavras que, por muitas que sejam, não chegam para dizer carvalho, sol ou noite. estes.

essências

Questionamo-nos muitas vezes acerca de verdades, nossas e alheias, e nem sempre chegamos a conclusões. Mas, quando assumimos essas verdades na essência e as vemos claramente, acabamos por vivê-las e senti-las de forma indelével. A terra . Estes montes, que nos viram nascer, crescer e que nos receberão, crescem em nós e morrem na sua altivez no olhar cansado que muitas vezes lhes dedicamos. E a água . As nossas verdades e o ouro que ainda temos. Se as perdermos, perdemo-nos numa não-identidade que anulará a nossa essência. São elas a nossa força centrípeta.
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Voltada para um nascente distante, com o céu todo espelhado em si, esta janela tem tecidas as marcas do tempo. Fechou-se e assim se manterá, enquanto as paredes suportarem o peso dos dias e Larouco lhe conceder a sua visão. Mas tem o céu todo espelhado em si. E o meu parco olhar.

e lume

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esperamos o silêncio dos dias no fluir dos nossos passos que levamos tensos e cansados no lume brando dos tristes dos lamentos dos falhados esperamos a justiça dos dias no cair dos nossos braços que arrastamos mortos e enterrados na cinza eterna dos cisnes dos brandos dos calados mas queremos vida e lume

o caminho

Lembra-se de todas as caras.  Traziam o inverno ainda nas rugas mais fundas.  Sentava-se no muro do lameiro do tio Zé Tarola a morder uma palhita à espera de um companheiro que o ajudasse nas empresas aventureiras serra adiante. Ali podia controlar tudo. As velhas horrendas que berravam sempre que passavam por ele. Os homens carregados de molhos de erva às costas, com a gadanha a ampará-los. Aqueles que levavam os pequenos rebanhos para lá do rio. Os que botavam as vacas e as levavam num ritmo quase tão pachorrento como o dum cortejo religioso. As lavadeiras pontuais que esfregavam umas pedras que havia a descer para o rio. Todos. E olhava-lhes o rosto. Prendia-se-lhes no rosto até a um tu que queres rapaz que andas para aí a armar que o fazia evadir-se na palavra mais eficaz para o enunciador e menos fiável para o interlocutor: "Nada!"  A verdadeira liberdade vivia-se do outro lado do rio e, para ele, a ponte era um verdadeiro pesadelo porque deixava que todos pudessem passa

Contos do Larouco III

III.  Os dias já não começavam à mesma hora. Como se houvesse um manto que se estendesse sobre a manhã, o seu sono estendia-se até ao momento de já não se ouvir qualquer ruído na rua. O Horácio já tinha botado as vacas há muito, a Ana do Quintas já acomodara os animais há umas horas... Nas casas das redondezas já tudo bulia desde a primeira manhã como era natural. Deitar quase com o Sol e com ele, ou antes dele, dar vida à vida. Mas o Lameiras continuava metido consigo, num sono quase mortal e num fechamento que preocupava a aldeia.  O janelo da cozinha daquela casa já não se abria desde a Lua Nova. E ninguém percebia por que razão é que o rapaz não saía de casa. Tinha vendido as vacas, as ovelhas, as melhores terras e não saía de casa. Pelo menos que alguém o visse.  A tia Rosa tinha falecido no inverno, quando as geadas arreavam desde que o sol se esconde até voltar a estar alto. A gripe que a apanhou nem deu tempo ao doutor. Nem o padre lhe valeu. Foi com Nosso Senhor de um mal qual

Contos do Larouco II

II.   O silêncio cobria a noite. Era assim desde a morte do Gestas. Encontraram-no à entrada do cemitério dois rapazes que vinham do namoro da aldeia vizinha e foram logo a correr a casa da senhora Arminda, viúva que morava uma casita à entrada da aldeia. Dali ao tumulto geral foi um passo muito pequeno. E toda a aldeia de candeia na mão envolvia de luz trémula o corpo despido do Gestas. Só podia ser obra do diabo! Deus os livrasse de todo o mal! E, entre Padres Nossos, as mãos movimentavam-se em cruz repetidamente entre a cabeça e o peito. O corpo, em posição fetal, não apresentava qualquer marca de violência. A pouca luminosidade mostrava um sorriso pintado nos lábios do homem, mas os olhos entreabertos tinham ainda plasmado um evidente sinal pavor. Encostada ao portão, encontrava-se uma pá.  O Gestas vivia sozinho. Filho único, perdera o pai e a mãe num surto de febre que varrera quase metade da aldeia quando ele cumpria serviço militar em Angola. Nem sequer os enterrou. Estavam viv

Contos do Larouco I

I.   Sabia que a noite lhe trazia o abrigo. Na sua passada larga e segura, continuou a afastar involuntariamente as pedras invisíveis que se lhe atravessavam à frente dos pés, como que a travar-lhe o caminho. Não precisava de ver muito para saber as veredas a percorrer e conhecia todos os buracos da serra, onde podia esconder a carga e onde podia aninhar-se se pressentisse algum guarda-fiscal dos que não eram dos conhecidos, próximos, companheiros. Os seus davam sinal. No bolso do casaco pesava-lhe a pistola, que o arreliava como andar à chuva, mas que trazia por necessidade. Só a usava nestas andanças e mal chegava a casa, arrumada a carga no baixo, pegava nela e metia-a atrás duma pedra solta na parede atrás da porta que dava para as escadas.   Ainda era preciso vencer o rio, agora difícil de atravessar com tanta carga, e a serra toda de alto a baixo até chegar a casa e tinha que o fazer antes dos primeiros sinais de luz. Os movimentos apressados das pernas negavam a calma que lhe ia